Correio da Manhã: Especial Cartoons
Os apara-lápis do humor
A crítica não tem que ser enfadonha. Um desenho pode explicar o que muitas crónicas nunca dirão. A Feco Portugal é a primeira associação nacional a juntar os profissionais das crónicas gráficas, os cartoonistas
É difícil criticar os críticos. Mesmo que nos façam rir, como num cartoon. São eles que nos alertam para os problemas da sociedade. O aumento dos combustíveis e das taxas de juro do crédito à habitação, os (des)investimentos do Governo, a política norte-americana de George W. Bush e a guerra no Iraque, Bin Laden e as ameaças ao Ocidente, ou simplesmente o retrato de políticos enfadonhos. Tudo.
"O cartoon é uma crónica gráfica. A sua função mais nobre nem é divertir. É, sim, advertir. Em Portugal, nem sequer temos a tradição do humor branco, do sorriso pelo sorriso" - explica Zé Oliveira, o cartoonista que preside à recém-lançada Feco Portugal. Dos cerca de 60 a 70 profissionais da área do humor satírico - embora sejam muito menos os que publicam na imprensa nacional -, a primeira associação do país conta já com a inscrição de 22 deles. Osvaldo Sousa, director do Salão Nacional de Caricatura, foi o primeiro homenageado pela Feco Portugal, com a atribuição do diploma de sócio-honorário.
O surgimento da associação portuguesa foi estimulado pela homónima espanhola - já que todas integram a Federation of Cartoonists' Organisations (Feco), presente em 30 países e com mais de 2000 associados. E Zé Oliveira lançou o apelo aos colegas no seu blogue. "Acima de tudo, esta união serve para ajudar uma classe muito solitária. E para que sejamos todos vistos como trabalhadores" - explica. "Cada vez há menos espaços para publicarmos o nosso trabalho, porque há maior concentração de meios de comunicação social e uma censura velada [das administrações]". Além da acusação, o presidente da Feco Portugal considera estar a limitar-se o sentido crítico.
"Numa altura em que as pessoas têm menos tempo para uma leitura exaustiva dos jornais, o cartoon permite um olhar rápido e com informação - mas sempre com opinião." Por outro lado, o cartoonista Rodrigo tem a percepção de que nem toda a gente, em Portugal, está educada para a linguagem dos cartoons. "Muitas pessoas não sabem distinguir um cartoon de uma tira de banda desenhada ou de uma ilustração. E também não levam muito a sério o nosso trabalho. Muitas vezes, perguntam-me se me pagam pelos meus desenhos" - conta.
Rodrigo explica que os cartoons têm o mérito de aliar a seriedade à boa disposição. "No fundo, o nosso trabalho é lidar com assuntos da actualidade. Mas o humor é uma arma para atrair o leitor, que fica mais predisposto para aceitar aquilo que queremos transmitir."
Embora já esteja em actividade, a Feco Portugal só será apresentada oficialmente no próximo ano. Até lá, contam aproximar-se dos profissionais área, associá-los e depois irão promover uma agenda de eventos para dar a conhecer os cartoons feitos em Portugal.
- Bruno Contreiras Mateus, in Correio da Manhã (revista Domingo) 2 de Novembro de 2008
sábado, 15 de novembro de 2008
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