quarta-feira, 6 de maio de 2009

Vasco Granja (1925 - 2009)



Era um dia normalíssimo de trabalho. Fui para o emprego a pé, porque moro na Damaia e o meu trabalho era a dez minutos, na Venda Nova, para a Livraria Bertrand. Trabalhei lá 29 anos.

Não tinha o hábito de ouvir rádio de manhã. Na altura, a Livraria tinha uma numerosa equipa. Era auto-suficiente em todos os domínios, com a tipografia, artes gráficas, distribuidora, tudo. Eu era técnico editorial da Bertrand. Nessa época, a ainda hoje, não tenho o hábito de ouvir rádio de manhã. Sou ouvinte, mas a outras horas. E por isso não soube nada.

Quando cheguei à Livraria, tive grande surpresa: «Hoje não há actividade aqui na editora». Porquê? «Rebentou a Revolução».

Voltei para casa, calmamente, a pé, para comemorar. Mas quando cheguei a casa a minha mulher não estava. Tinha sabido antes de mim e foi logo comemorar. Deixou-me uma mensagem e acabámos por nos encontrar no Chiado. Corremos a via-sacra da Revolução. Fizemos a Avenida da Liberdade a pé, com a população na rua em esfuziante alegria.

Foi um acontecimento único na minha vida. A imagem mais marcante que guardei foi o Quartel do Carmo. Porque estive lá e era uma zona que fazia parte do meu roteiro. Era uma zona que eu frequentava. Passava horas por ali, a Bertrand tinha várias dependências nessa zona.

Lembro-me das manifestações espontâneas, as pessoas sentiam enorme felicidade, impressionante. Um dos momentos mais belos da minha vida!

E foi uma surpresa. Porque não esperava, apesar de ter uma filiação política. Mas não estava dentro do assunto, não conhecia pormenores. Ficaram registados na minha memória todos os acontecimentos daquele dia.

O mais curioso de tudo, que prova que eu não esperava o 25 de Abril: na altura, era importador de livros de Banda Desenhada, fazia muitas viagens ao estrangeiro e relacionei-me com os principais autores e editores de Banda Desenhada. Eles pediam-mepara vender os livros deles em Portugal. E tinha um encontro marcado com um editor espanhol, precisamente para o dia 25 de Abril.

Tive de dizer-lhe que o encontro ficava adiado. Não era dia para actividades comerciais. Fui ter com ele e muito rapidamente despachei-o e voltei para a Revolução. Nada era mais importante que o 25 de Abril. Muito menos um problema comercial.

(in Diário de Notícias, 10.04.1999)





Enviado por Carlos Rico para o blog da FecoPortugal

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